26.10.08

 

Fé e Descrença


Meu prato da semana foi Fé e Descrença - O Drama da Dúvida na Vida de Quem Crê, de Ruth Tucker, publicado recentemente pela Mundo Cristão. Mantendo o alto padrão de acabamento, excelente tradução (Almiro Pisetta) e um tema extremamente propício para os dias de hoje, será um título em prologanda demanda. Diria até que vem tarde, pois deveríamos estar discutindo a questão da fé, da dúvida e da descrença há mais tempo.

O livro tráz por si alguns méritos. 

Primeiro a autora é professora de História da Igreja e das Missões. É uma excelente pesquisadora, extremamente inquieta e fuçadora. Compartilha grandes descobertas e coloca à luz, temas e testemunhos de cristãos de renome do passado que vascilaram ou até mesmo abandonaram a fé. O título original em Inglês é esse: Abandonando a Fé. E o que ela propôs, fez bem - entender um pouco mais o que é isso (abandonar a fé) e o que devo fazer para revigorar e me proteger dos perigos que me levariam a isso.

A autora se vale portanto de sua facilidade em transitar por biografias, colocando-nos numa certa intimidade com personagens reais - homens e mulhers de destaque no ministério e na história da Igreja, que tiveram de lutar com provações, crises pessoais e mesmo com a perseguição religiosa (incluindo-se tortura e martírio).

Esclarecimento! Me identifiquei com a coragem de Tucker. Ou melhor a falta de, que deve ser quase nula, como a minha. Creio que se submetidos a algum tipo de tortura física, um de nós dois seria recordista em abandonar a fé. Tenho paúra total a qualquer tipo de abuso ou castigo físico - incuindo-se nessa categoria meus relacionamentos com dentistas e podólogos. Mas essa auto confissão de acovardamento, por parte da autora, cai por terra ao conhecer um pouco mais os detalhes a evolução de sua biografia - o que mencionarei mais adiante.

Um segundo mérito é a forma clara e despreendida com que ela coloca o assunto na mesa. Citando nomes, e fazendo até inferências. O cristão é um cristão-humano (homem e mulher) e sujeito aos problemas e dissabores que a vida nos encaminha. A maneira como encaramos esses vales pode realmente levar alguns de nós a esquecermos o bom Pastor do Salmos 23. Ao longo de minha própria peregrinação, ouvi histórias distantes de quem abandonava a fé - alguns de maneira extrema e radical, outros de maneira furtiva e dissimulada. E à medida que os cabelinhos brancos apareceram, vi no meu próprio círculo pessoas de meu relacionamento que também deixaram de confiar plenamente no Salvador.

Pessoalmente consigo encarar as provações a que estou acostumado - diga-se de passagem, que são várias e contundentes. São provações domesticadas: situações difíceis e trabalhosas, mas que aprendemos a conviver e com elas lutar. Mas se tivesse que enfrentar outro tipo de situação, que não sejam essas, não sei não. Eu oro a Deus que me livre delas. Por isso respeito com muita humildade e serenidade a reação que os outros tem àquelas coisas que acontecem a eles, que pessoal e intimamente só eles sabem e só eles sentem! E é esse tipo de ferida que a professora Ruth vai escarafunchar e fazer o leitor deixar bem resolvido com Deus. Quando vier, se não é que já veio!   

É chocante os relatos de muita gente (séria e honesta), que faz questão de divulgar suas histórias pela internet. São pessoas feridas e desencanadas que abandonaram o aprisco da fé. Em alguns casos a autora faz questão de colocar as respostas (tipo amigos de Jó). Tem tudo a ver com o que comentei no post sobre a Juliana - a  loura herege lá no Pavablog, antes mesmo de ler o livro!

Outro mérito é que ela não propõe 'passos' ou 'how-to' para nunca se perder a fé. Exatamente por causar frustrações em quem quer uma fórmulinha ou uma leitura superficial - é que o livro é valioso. Na parte final, tomei o cuidado de grifar algumas citações, e não sei como é que a Bete vai encarar essas ênfases, mas é anterior á minha promessa de separar o livro para ela. Ou seja Bete, não estou mandando recadinho pra ninguém - a não ser para mim mesmo ...

E por final, quero destacar um quarto mérito, que é o tom pessoal e intimista que a autora utilizou. Conta histórias pessoais - e a que mais lhe marcou: a trágica morte da mãe num acidente besta de carro. Outro episódio interessante, numa sala de aula de estudantes de teologia, por duas semanas ela coloca diante de seus alunos, Deus no banco do réu. Foi, para ela uma das mais importantes experiências na sua vida docente.

Há nisso tudo uma grande esperança que se descortina no meio editorial brasileiro. Primeiro que a cada novo texto que é traduzido, somos mais impelidos a fazer nossa lição de casa para prover e estimular produções nacionais. Creio que a internet está sendo um grande celeiro de autores, que já tem em destaque o verbo no formato digital. Somos impelidos porque aprendemos com esses bons autores que o caminho (trabalhoso mas não impossível) pode e deve, efetivamente passar por três dos ingredientes que vemos nesse texto: 1) a escolha de um tema relevante e pertinente ao nosso tempo; 2) relato pessoal - sincero e aberto; 3) pesquisa básica com leituras e conversas. E em segundo lugar, que as portas para 'outros' autores estão escancaradas - a começar pelos católicos Chesterton, Nowen, Merton, Manning ... 

Deixo uns trechinhos para apetecer: 

Ela inicia citando Parker Palmer  - The Courage to Teach (entre aspas): "Tenha paciência com tudo o que não está resolvido em seu coração. [...] Tente amar as próprias contradições. [...] Não procure agora as soluções, que não podem ser aplicadas porque você não seria capaz de as viver. [...] Viva as contradições agora". Do ponto de vista teológico, o mistério, o paradoxo e a incognoscibilidade de Deus são compesados pela auto-revelação divina nas Escrituras.

Mais adiante nesse mesmo capítulo: Reconhecer e admirar a Deus como mistério - em oposição ao Deus definido por fatos e provas - pode ser um passo importante para resolver problemas de dúvida e descrença. A ausência e a natureza oculta de Deus só fazem sentido no contexto do mistério. Mas enfatizar o mistério é um caminho perigoso, advertiu-me recentemete  um apologista evangélico muito conhecido: na opinião dele , isso tinha um certo sabor de misticismo oriental. Talvez sim. Mas, na contemplação do mistério, eu estou ao lado de uma longa tradição de pensadores cristãos - inclusive J.H.Bavinck, grande missionário e evangelizador que sinceramente confessou seu medo, sua angústia e dificuldade de misturar o Deus Desconhecido com Aquele que lhe dirigiu a palavra em Jesus Cristo.

Mais adiante, falando daqueles que abandonaram a fé e se redescobriram depois no retorno à fé - Ruth dá destaque a algumas mulheres (como é de se esperar) e finaliza o testemunho delas assim: Elas abandonaram a fé de sua infância e voltaram com percepções novas, sempre conscientes de sua vulnerabilidade. Elas estão lutando para ver sentido na vida, sentido na fé, sentido no reino de Deus neste mundo. Sua luta e seu desafio são os meus, e elas me estimulam a avançar na peregrinação da fé.

Por final, como prometi, relato que essa mulher, a quem aprendi a admirar em tão poucos dias (disse até que havia me apaixonado platonicamente), é mulher de muita fibra. Me envergonharia diante de sua corajosa luta contra os gigantes que ela (sozinha como mulher) teve de enfrentar.

Alguns anos depois de ter escrito esse livro (e não creio que seja por ele - a Ruth é autora de quase uma dúzia de títulos), ela passou por um processo extremamente estressante de re-enquadramento como professora do Calvin Seminary - uma escola de forte tradição Reformada Holandesa (e machista pois das mulheres em posição de destaque a Ruth era a única). Esse processo todo de 'vai-não-vai' continuar a dar aulas, foi uma verdadeira senda de provação,que  culminou com seu desligamento do quadro de professores da Instituição em agosto de 2006. Se você lê Inglês, tem mais detalhes aqui. Tudo isso faz dela uma vitoriosa. E do meu lado, envio-lhe minha admiração.

Comments:
...oooohhhh Volney.... num tem na linguinha tupiniquim ??....eu só falo tupi-guaraná, de inglixe eu não sou veri gud !! rsrsrss
 
Valeu a dica Volney. Me fez lembrar aquela famosa frase do Yancey:
"A graça,assim como a água, corre para as partes mais baixas".
A Igreja está se levantando pelas palavras daqueles que um dia foram cosiderados traidores.
 
Volney,

li até a metade. Depois leio o resto pois está muito interessante.

Havia lido seu comentário lá no Pava no Post da Juliana. Fiquei perplexo diante daquela situação e preferi deixar prá lá, embora tenha meus pitacos pra dar sobre essa questão toda. A revolta dela é compreensível mas os argumentos são fraquíssimos.

Pelo que eu entendi aquela menina, moça ou mulher mexeu com vespeiro (era bispa ou pastora e etc) o jogo de poder nessas instituições é de lascar. Ninguém pisa em cetos pedestais inocentemente. É como a crise financeira uma hora a conta precisa ser paga e haja cacife...

Embora o Caio Fábio tenha certa razão em afirmar que só conhece gente que saiu da igreja por causa da igreja, (e no momento estou lendo alma sobrevivente), o fato é: para ser cristão precisa de coragem. Coragem para ser pobre, chorar, ser misericordioso, pacificador, perseguido, ter um coração limpo e etc, etc e ser perseguido.

Então bem aventurados os corajosos. Os que tem coragem pra crer e adimitir a própria incredulidade.
 
Oi Alice, este livro é um lançamento da Mundo Cristão - este exemplar já tenho pra quem emprestar (a Bete).

Emergente(s) - só posso dizer com um chavão dos nerds: A revolução não será televisionada

Roger,
Não brinca não - eu sou da turma dos covardes - não tem lugar pra mim nessa tribo de corajosos ... he he
 
Volney,

já cantava Vinicius, eu que não creio peço a Deus...

Certamente não és um covarde. Todos temos medos, e para superá-los precisamos de coragem. Voce é uma pessoa que fala e escreve com coragem, se me permite julgar-te, justamente pelo medo de ver as coisas regredirem de tal modo.

Gostei muito dos trechos que você trouxe do livro. Geniais!

Abrçs,

Roger
 
Volney, que massaaaaa, não é a toa que você se apaixonou por essa mulher.
 
E aí? Eles acertaram as contas com você, então? Para fazer essa propaganda tremenda, imagino que sim. :) Tô brincando, claro. Coisa rara. O livro e a autora merecem, se bem que não vi essa edição ainda. Fico com suas palavras. Você não poderia colocar o texto todo aqui? Assim poderíamos opinar melhor. Se não der, quando você acabar de ler me empresta, mas lembre, nunca devolvo livros emprestados. É um protesto contra os livros que emprestei e nunca voltaram. :)
 
Volney, o livro tá em english, esquece, sou uma analfabeta.
 
Oi Lou,
Com um testemunhal desses, merchan no Blog, duas menções ... tinham que dar algo - mas nem um exemplar ... que me deu esse foi o Pava.

Está reservado pra Bete, viu Bete - é em portuga, tradução (muita boa por sinal é do Almiro Pisetta - acho que menciono isso na postagem).

Vamos nessa !!
 
Volney,
só não entendi uma coisa:
primeiro você fala que a tradução é excelente, e depois diz que o título original em inglês é abandonando a fé??
Isso é algum tipo de oportunidade que você nos dá para exercermos nossa fé e descrença aqui e agora?! rsrs
 
Caríssimo, vamos lá:
1 - A tradução é de boa qualidade. Vc procurando com lupa, vai encontrar um errinho aqui e acolá - que pode até ser de revisão ou de contextualização histórica. Por exemplo: não se dá o nome de Juventude para Cristo (referindo-se ao ministério em que Billy Graham atuou, e sim Mocidade Para Cristo - MPC, trabalho esse que no Brasil já tem mais de 50 anos). Mas isso não interfere na obra como um todo - o texto flui e é de boa compreensão apesar de ser um tema difícil de se expressar numa linguagem o menos teologuês possível.
2- O título acaba sendo uma decisão do editor. Ele na grande maioria das vezes é soberano, pois ele avalia o impacto e a demanda do mercado para tal. No título o editor encontra um jeito para fazer marketing (como a capa acaba sendo outro item de liberdade - ou seja não se repete as capas 'originais'). Tanto autor, como tradutor, salvo demanda expressa, ficam de fora dessa decisão.
3. Apesar da diferença creio que está se dando o mesmo sentido: quem abandona, quem descrê.

Xiii - respondi sério demais pra quem queria só fazer uma piadinha ;)
 
Amigo Volney,

depois deste sermão acho que vou então continuar anônimo!

Mas é um pouco cruel esta questão do título, é como se a parteira mudasse o nome da criança.

Abrçs,

Roger
 
Eu sabia que era vc Roger ... he he ...

Brincadeira - mas eu até coloquei uma ressalva no final ;)

Com relação à escolha de títulos em livros traduzidos, é certo que não sou a pessoa mais indicada para discutir o tema - falo de orelhada ...

(Tá bom, tá bom, como é possível falar pela orelha? Vc venceu!!)
 
Por que para uns acreditar é tão natural como respirar e para outros, uma luta emocional e intelectual que no fim não vale a pena? À medida que o conhecimento avança e os fenômenos naturais tornam-se conhecidos, Deus deixou de fazer parte da resposta. E se nem mesmo a milenar questão do mal consegue ser resolvida, a razão confronta: existe Deus?

Ruth Tucker decidiu caminhar pelo terreno movediço que separa a fé e a descrença, revisitando teólogos, filósofos e cientistas que conviveram com a dúvida intermitente ou colocaram Deus em xeque. Também ouviu relatos daqueles que viram sua fé desmoronar, mesmo tendo acreditado fervorosamente, por não conseguir conviver com o perturbador silêncio de Deus e com a indiferença dos cristãos que os cercavam.

recomendo...
 
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