4.5.08
O Acidente
“Já entendi Senhor! Este é o início do segundo capítulo de minha vida.”
Como escritor, acabo vendo a maioria das coisas pelo lado do meu ofício. Conto cada milha que falta para o destino de minha viagem como sendo páginas que ainda tenho que ler. Quando ouço um sermão, logo me vem à mente o título que melhor se encaixa nessa mensagem. Invariavelmente penso no tipo de capa que ficaria bem com o tema.
Quando vou a compromissos em que tenho que falar, me vejo como um pequeno livreto que se abre e a cada página vou revelando minha mensagem. Aquele fim de semana não teria sido diferente.
Tudo começou neste fim de semana em que fui para Los Alamos compartilhar com irmãos e irmãs a respeito do meu último livro: Oração – Ela faz alguma diferença? Desta vez não trouxe Janet comigo. Já tínhamos viajado juntos nos últimos meses, para cumprir a agenda do lançamento do livro, que seu serviço estava acumulado em casa e no Centro de Idosos onde ela trabalha. Resolvi vir sozinho dirigindo.
Los Alamos – Novo México
Para quem não sabe, Los Alamos é o local onde o Exército americano escolheu para o Projeto Manhattan, um esforço intenso para desenvolver a bomba atômica no início dos anos 40, em plena Segunda Guerra Mundial. Era unânime a preocupação para que Hitler não alcançasse vantagem sobre os aliados na finalização de um artefato que ao liberar a força nuclear, teria um poder incalculável de destruição. Então nesse local o Exército montou casas, alojamentos, barracas e laboratórios para ser o centro mundial da inteligência científica. Formou-se um laboratório permanente de físicos, químicos, matemáticos - enfim inúmeros cientistas de nacionalidades e personalidades as mais diversas. Mesmo após o término da guerra, o governo manteve a pequena cidade, transformando-a em um laboratório civil. Hoje não existe outro local no mundo com tanto Ph.Ds como lá.
Fazendo parte desse contexto, a igreja local teria que ser meio diferente – ela reúne seis denominações diferentes e forma uma comunidade pujante. Ao chegar tive a oportunidade de conversar com cientistas sobre diferentes temas, desde a ciência, a questão nuclear, terrorismo, e mesmo sobre o movimento pacifista. No sábado fiz um total de três palestras e depois à noite para os autógrafos.
Como tínhamos um casamento de amigos no domingo, logo cedo peguei o caminho de volta para casa. Enquanto ouvia música e me alegrava diante de Deus por mais esta oportunidade de conhecer pessoas diferentes e instigantes, olhava a paisagem de Novo México – tão seca e árida em alguns rincões, contrastando com o estado do Colorado. Por estar mais ao norte e estar no coração das Montanhas Rochosas, toda a vegetação, o ar rarefeito e o frio lhe são bem peculiares.
54 desafios e 15 picos a escalar
Ainda sou um menino do sul – apesar da idade. Aqui nos Estados Unidos quem nasce onde nasci é considerado um tipo de caipira bem enraizado. Fui deixando minhas origens a medida em que subia. Fiz a Faculdade num Seminário na Carolina do Sul e em seguida fui mais para o centro oeste – porém subindo no mapa. Estudei no Wheaton College, na região de Chicago. Esta é uma das boas faculdades cristãs – com longa tradição no preparo de liderança tanto pastoral, missionária como profissional. Eu sempre tive interesse em Mídia, então estudei e me formei em Comunicação. E também aproveitei para, em paralelo, estudar Língua Inglesa na Universidade de Chicago. As oportunidades me apareceram lá em Chicago mesmo, e fui trabalhar na Campus Life – uma revista voltada para jovens secundaristas e universitários. A Editora dona dessa revista é a mesma da Christianity Today e após oito anos, a direção me promoveu para ser o editor da própria.
Quando deixei o segmento de revistas e passei a me dedicar aos livros, não imaginei que minha vida ganharia um novo ritmo ao mudar para Denver, no Colorado. Esse estado fica mais a oeste ainda, seguindo o caminho dos pioneiros e colonizadores do Velho Oeste americano. Creio que é um dos lugares mais bonitos que a criação de Deus nos reservou. Incrustada nas encostas de uma cordilheira, e banhado por um inverno rigoroso, Denver e suas cercanias promovem oportunidades incríveis para trilha e alpinismo.
Janet e eu resolvemos encarar o desafio de conquistar as 54 montanhas registradas acima de 3.000 metros. E isso tem sido meio que nossas férias e fins de semana prolongados. Nestes últimos anos, tenho feito marcas no meu cinto de alpinista, revelando o progresso ao enfrentar cada montanha. Algumas são relativamente fáceis, pois vamos ao pico caminhando. Outras são mais desafiadoras pois exige mais do que caminhada. Só que tem as mais difíceis. Elas são 15 ao todo e são de botar medo de verdade, pois você tem que fazer alpinismo, se pendurar e se puxar numa escalada incrível. Ao final é muito gratificante.
Quem está no controle
Enquanto dirigia, fiquei imaginando a contagem no meu cinto. Faltam somente 3 marcas! Só que a gente só vai aprendendo à medida em que se escala. Por isso deixamos as mais difíceis de todas para o final. E o que me restava agora? Três desafios incríveis – incluindo o Pico Maroon – que fazem a adrenalina realmente subir só de pensar. Confesso que a participação de meu grande amigo Eric Alexander – como instrutor e guia, é o que faz toda a diferença. Alguns anos atrás (só para se ter idéia como o cara é fera) ele foi o guia que levou o primeiro cego a conquistar o Monte Everest. Imaginem como que eu e Janet estamos em excelente companhia.
Lembrei-me dos olhos daqueles que me ouviam falar na tarde de ontem. Eu estava compartilhando como eu e Janet nos vimos numa situação realmente difícil ao voltarmos da escalada do Monte Wilson. Ainda tínhamos uma boa descida quando os céus se abriram em chuva e tempestade. Os raios nos seguiam juntamente com o forte vento. Desobedecendo o senso comum que recomendava que nós ficássemos separados por cerca de 30 metros – (justamente porque se um raio pegasse um de nós, o outro sobreviveria), Janet e eu ficamos de mãos dadas e andávamos para baixo tentando parecer o menor possível. Foi nesse exato momento que tive uma percepção muito profunda na alma. Eu disse para mim mesmo: “Phillip você não está no controle”. Apesar de ser radical nos detalhes e manter as coisas totalmente sob controle, naquela hora ali na descida e debaixo da tempestade, percebi que no fundo, há uma força maior que nos domina.
Ao compartilhar essa história ontem, eu acrescentei: “Na verdade essa afirmativa é sempre verdadeira. Não importa o que eu pense, não estou com minha vida sob controle. Eu posso morrer com um ataque fulminante do coração, aqui no palco – agora mesmo. Ou eu posso sofrer um acidente na estrada, voltando para Denver amanhã, com chances maiores do que ser atingido por um raio no Monte Wilson.”
Deus me pegou na curva
A estrada era razoavelmente tranqüila e estava bem alerta e animado pois retornava para casa. A minha Ford Explorer tem um motorzão legal, e a pequena serra agüentava com tranqüilidade os 100 quilômetros por hora que eu mantinha. Só que a curva para a esquerda veio meio que de repente e ela se fechava de um jeito um pouco acentuado. Creio que foi a roda traseira que saiu do asfalto e pimba, três belíssimas cambalhotas, o carro capotando continuamente até voltar à sua posição original. Sabe aquela história dos 360 graus – em que você volta para onde começou? Só que três viradas totais antes de ficar montado num carro totalmente destruído. Os vidros todos quebrados. Notebook, botas, esquis, malas espalhados ao longo do rastro do acidente.
Apalpei minhas pernas, meus braços, soltei meu cinto e sai do carro. Estava bem aturdido. Não demorou muito e alguns carros paravam no acostamento. Uns mórmons a caminho da igreja ligaram de seus celulares pedindo o resgate.
Nada parecia muito sério, apesar dos arranhões e cortes – só o meu nariz que não parava de sangrar. A ambulância chegou, me colocou naquela maca dura, me amarrou todo e colocou o colete de pescoço. Já estava entrando no estado do Colorado, e cheguei em Alamosa depois de uma hora com a sirene ligada.
Mini Milagres
A mão de Deus estava lá operando milagres. O pessoal que me acudiu eram médicos, preparados para socorrer emergências, o melhor técnico do raio X, que normalmente trabalha durante a semana, estava cobrindo folga do colega, e retornando à sua cidade natal, um médico formado em Michigan. E mais, os meus ferimentos apesar de preocupantes - um milagre iria acontecer.
Ao chegar no hospital todas as coisas pareciam continuar se somando num carinho especial de Deus para comigo. O raio X precisou ser enviado digitalmente para a Austrália, pois como era domingo, somente do outro lado do mundo havia especialistas trabalhando. O médico quando chegou para me dar o seu parecer foi bem objetivo: “Sr. Yancey, não existe jeito fácil de lhe dizer o como o senhor está.” E aí ele passou a descrever o meu estado. Eu havia quebrado a vértebra C-3 em pedacinhos. Era menos ruim. O Christopher Reeves quando caiu do cavalo quebrou a C-2 – só para se ter uma noção do perigo. Outro detalhe é que não havia atingido a medula – ou seja o sistema nervoso estava intacto. Havia sim a preocupação com as artérias, pois um pedacinho de osso poderia iniciar uma hemorragia caso se movimentasse perto da artéria espinhal. Esse mesmo médico me avisou que já tinha um jato de plantão caso precisasse me remover para Denver, onde eu teria um atendimento emergencial mais adequado. Mas ele queria ter certeza e faria um novo raio X com contraste.
Nesse meio tempo, a Janet vinha de carro para Alamosa. O meu vizinho e bom samaritano Mark, logo se prontificou para traze-la. É uma viagem de cerca de quatro horas. Eu tinha conseguido avisá-la por celular de dentro da ambulância logo após ter sido resgatado. Só que agora eu poderia logo, logo estar a caminho de Denver de jato, enquanto ela ainda estaria na estrada. O médico tentava explicar-lhe os procedimentos e as possíveis ações, só que o celular no meio do caminho e entre as montanhas de rochedos, vivia caindo. Eu imagino como que ela precisou se segurar na fé, mantendo serenidade e paz.
Olhando a morte nos olhos
Ao escapar da morte naquela manhã – o jeito como fui chacoalhado nas três viradas do carro, creio que acabou afetando minha cabeça e minha alma. E sem saber como meu corpo sairia dessa, fiz aquela oração relâmpago pra Deus.
O gozado é que enquanto o carro virava numa loucura eu só me concentrei em esperar o acidente chegar ao seu fim e daí focar no que fazer. Não aconteceu aquele negócio de flash back, com minha vida sendo projetada diante de mim em frações de segundo. Eu estava muito desperto e entendendo bem o que acontecia. E nessa situação percebi que deixava de ser escritor para naquele exato momento ser um personagem. E como tal entregar o teclado para Deus e encarar o próximo capítulo de minha vida.
Já na cama do hospital, imóvel, aguardando os eventos a se desenrolar, abri mentalmente o índice do livro de minha vida. Vi a descrição de cada capítulo e comecei a agradecer a Deus. As pequenas coisas e as coisas importantes. Tudo era motivo de agradecimento – mesmo ainda tendo 3 picos para escalar, com o cinto a espera dessas marcas.Eram 37 anos com a companheira da minha vida, as aventuras em mais de 50 países, um trabalho super realizador, que ao mesmo tempo me dá liberdade e autonomia.
Naquele fim de semana eu havia ouvido – como sempre acontece, histórias e testemunhos de gente que é tocada por um de meus livros. Eu tinha sobrevivido, apesar de tudo. A maravilhosa graça me inundava. Eu tinha finalmente conhecido um Jesus – que eu não conhecia. E as gotas de morfina começaram a fazer efeito ...
* Inspirado em fatos reais relatados por Phillip Yancey no acidente sofrido em fevereiro de 2007. Seis meses depois ele conquistava sua última escalada pegando o último dos 15 desafios: o Pico Maroon.
Comments:
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Cuidado com esse galmaran acima, é vírus.
O que você quis dizer com: Dei uma de Yancey?
Achamos que estamos no controle, mesmo quando estamos descontrolados. Lembrar da vida via uma experiência de quase morte, geralmente, nos lembra desse detalhe. Mas, gente como eu, que vive nas encostas das montanhas, mesmo sem nunca ter escalado uma (no meu caso, isso nunca sucederia) ,lembrar da vida é a norma (não aquela).
O que você quis dizer com: Dei uma de Yancey?
Achamos que estamos no controle, mesmo quando estamos descontrolados. Lembrar da vida via uma experiência de quase morte, geralmente, nos lembra desse detalhe. Mas, gente como eu, que vive nas encostas das montanhas, mesmo sem nunca ter escalado uma (no meu caso, isso nunca sucederia) ,lembrar da vida é a norma (não aquela).
Me motivei nisso pois ficamos tão isolados e numa espécie de berlinda. Sem conseguir nos aproximar de autores que gostamos e apreciamos, com suas adversidades - comuns a todo ser mortal, precisamos de oportunidades para a conexão. nem que seja meio que como uma ficção.
Lou e Alice e amigos - vcs são sempre bem vindos!
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Lou e Alice e amigos - vcs são sempre bem vindos!
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