19.4.08

 

Chá na Tradição Árabe


Sou um fã do café espresso. Costumava dizer expresso, mas o italiano puro vem com o 'esse'. Risque portanta o X. Não anulo porém o chá, e nem o considero segunda categoria. Há muito a se apreciar da bebida, seus diferentes estilos de servir e mesmo suas origens. E é claro, o ambiente do degustar somado às conversas propicia uma nova órbita para a alma.



Na revista Piauí deste mês, leio o relato da Ayeda - jovem palestina assentada com a família em ... Mogi da Cruzes (cruzes!). Sem ofender nossos vizinhos da grande Sampa, mas foram escolher logo aí. O que acontece que vocês não se acham? Passo sempre a 120 por hora pelo município. Até a sua universidade já veio pros lados de cá! A jovem de 26 anos conta como num diário, os seus dias de aulas de português, o domingo que chegou uma hora mais cedo pois o horário de verão havia terminado e a família não sabia, a visita à 25 de março (de trem e metrô) e as peripécias tentando se incluir no mercado de trabalho.

Sou solidário à sua história. Mas os motivos vão além da compaixão cristã. Sei bem o que é tomar chá árabe, ao lado de familiares (via sogro). E nada entender enquanto conversam. Conversam não: brigam. Parece um ato de esquete, pois ao final riem muito, se abraçam e se beijam e cada qual segue seu caminho.

Sem entender nada, me distraía acompanhando os jogos de gamão, e depois me sujeitando a ser saco de pancada. Não durou muito, pois logo peguei o jeito do jogo. Aprendi que assim como na vida, o segredo está em entender o estilo de seu oponente: se conservador, ousado, traiçoeiro, ressabiado, retranqueiro, louco ... Não há como se ter uma vantagem segura nesse jogo que utiliza os dados lançados para mexer as peças. Em um momento os ventos sopram a seu favor e noutro contra você. É pura matemática de probabilidade. E é nessa caça de gato e rato que se percebe o estilão de seu oponente. Saber provocá-lo e torná-lo vulnerável. Bater com a peça agressivamente no tabuleiro, num momento de superioridade. Esses e outros segredinhos que um dia voce vai poder ler no meu Manual de Gamão à brasileira - como vencer e sobrepujar as outras nacionalidades e fazer brilhar a cor canarinho (a ser lançado em breve pela Cosac Naife - salvo engano).
Mas identifico-me com a Ayeda pelo forte paralelo com meu sogro. Chegou ao Brasil sozinho e teve que aprender o idioma e se fazer valer no mercado de trabalho a ponto de (como era de se esperar) ter seu próprio negócia. Assim como Ayeda, ele veio do Iraque. Em circunstâncias ainda mais adversas, selou seu destino ao romper as ligações com a família, seu povo e sua terra. E conseguiu fazer sua vida, seu casamento e filhos e deixar sua marca em solo brasileiro.
Depois de poucos anos ele pode recompor suas raízes, trazendo irmãos e pais para cá. E não demorou muito para estar novamente em paz com sua terra natal, e fazendo mais alguns negócias. A política também tem os dados a lhe conferir ventos contrários e assim virar o jogo. Alguns chamam de sorte, outros de destino.
Com o meu sogro aprendi a apreciar o chá à moda árabe. Nas noites de domingo e de quinta em que cumpria o ritual de conquista dos familiares, aprendi a ser como coruja (não falava nada mas prestava uma baita atenção).
Ao pedir chá ou café espresso (pra mim tem que ser amargo, forte e cremoso), não se esqueça da companhia. A tradição humana (e a raça) estará sendo preservada!

Comments:
Pelo lado do chá e o cerimonial, impecável. Quando o assunto envolve seu sogro, cunhados, me dá uns arrepios. Vejo-me em dois momentos, primeiro com meu pai e uma família árabe que visitávamos em meus tempos de menino e depois, seguindo meu próprio destino, com script devidamente repassado por meu velho, convivi com outra família com raízes muito parecidas, eram nascidos no Líbano, mas de ascendência Armênia, de onde eu tiro as histórias do Khalil. Meu pai sempre dizia: cuidado, turco nunca dá ponto sem nó! Mas nunca dei ouvidos a ele. Agora, eles são mágicos quando o assunto é cozinha, para o chá, o café e todas as suas inúmeras delícias.
 
Lou,
Nutri boa amizade e admiração pelo sogro - creio que voce se lembra disso. Os familiares eram tios - logo mais fáceis por estarem mais distantes nos galhos da genealogia.

Na roda familiar e no sentar ao redor do bulê de chá aprendi o que era a boa conversa, o olhar no olho e o compromisso humano. Não me decepcionei.

No creio en ... mas que las hay, las hay
 
Mas você entendeu o que eu quis dizer né? Apesar da opinião de meu pai e um sócio que meu deu o maior trabalho, aprendi a admirar a cultura desse povo, tanto quanto admiro a cultura judáica. Guardo boas recordações de momentos com famílias árabes onde aprendi muito. Meus arrepios foram nesse sentido, claro.
 
Agora entendi a referência às discussões árabes...
 
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