6.2.08
Sermões
Neste ano de comemoração dos 400 anos de nascimento do padre Antônio Vieira, poderemos acompanhar com deleite alguns de seus escritos. Figura ímpar na nossa história (e por que não na de Portugal também), é dito que ele é mais baiano que lusitano.
E como um artífice da escrita, ganhou de Fernando Pessoa o apelido de “gênio de perfeição lingüística” – se é que isso é apelido.
Retirei da leitura deste domingo no Caderno Mais da Folha, o artigo de Alcir Pécora – professor de teoria literária da Universidade Estadual de Campinas, essa pequena amostra do que podemos usufruir (se com cabeça aberta nos aproximarmos) de suas obras.
Extraído do Sermão do Espírito Santo (1657):
Dizei-me: qual é mais poderosa, a graça ou a natureza? A graça ou a arte? Pois o que faz a natureza e a arte, por que havemos de desconfiar que o faça a graça de Deus acompanhada da vossa indústria? Concedo-vos que esse índio bárbaro e rude seja uma pedra: vede o que faz em uma pedra a arte. Arranca o estuário em pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem, primeiro membro a membro e depois feição por feição, até a mais miúda: ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos; aqui desprega, ali arruga, acolá recama; e fica um homem perfeito, e talvez um santo, que se pode pôr no altar.