17.2.08

 

As Possibilidades Morreram


“Cara ou coroa?” pergunta o assassino.


Pela idade da moeda, sabemos que a história se passa em 1980. O homem do lado de lá do balcão, prestes a ir para o lado de lá da vida, não imagina que tem 50% de chance de sobreviver. Mas sua sorte está lançada – não depende nem dele, nem do demônio assassino. A moeda vai ditar a sentença.


Este é um dos muitos paralelismos de “Onde os Fracos Não Tem Vez”. A vida perde sentido, pois o acaso está sempre presente. Chame-o se quiser de sorte e azar, pois na melhor das hipóteses as chances são meio a meio.

Os filmes, pelo menos os bons filmes – não importando se vêm de Hollywood ou de outras paragens – obrigatoriamente são obras críticas. A Arte transcende escolas, não se permitindo tomar o lugar delas. Serve como tábua de ressonância da realidade. Vai além da Filosofia, que poderíamos dizer é a mãe de todas as escolas.

No caso dos irmãos Coen – não importa a perspectiva, se pelo conjunto de suas obras, ou se por “Onde os Fracos Não Tem Vez”, o questionamento filosófico suplanta a história e os personagens. Jorge Coli de Ponto de Fuga (Caderno Mais! FSP) me revela que encontramos numa poesia* de William Butler Yeats a cepa do título original (“No Country for Old Men”). No entanto, há um jogo sutil no título que falta à tradução. O ‘onde’ pode ser um lugar específico, mas o ‘no Country’ é também a negação de lugar. Ou seja, na história os velhos (e os fracos) não têm vez por não ser aqui o lugar para eles, mas também por não haver possibilidade de se viver porque no mundo não existe ‘onde’ viver. Ausência total de significado!

A diferença um pouco mais sutil, e aí já estou entrando no mérito, é que mesmo os fortes – os que assim se apresentam poderosos, indômitos e destemidos, também se tornam (com o tempo ou pelas circunstâncias) fracos e velhos, pois esta é a nossa sina. E aí voltamos à moeda – pois todos os homens têm os seus dois lados de fraco e forte, de jovem e velho.


É interessante, pois não se fez juízo de valor ou de moral. O Xerife é o mocinho? Não morreram os traficantes (os dois bandos – vendedores e compradores se matam)? Os novos personagens estão isentos do mal, ou carregam consigo? O pós-modernismo há muito adotou Nietzsche indo além do bem e do mal. Aqui, um lado é a força (e o poder de usá-la) e o outro lado é a fraqueza (a ausência de poder).

Há uma aparente exceção. O demônio matador não é fraco. Mas será ele humano? Ele se apresenta como um psicopata, assassino frio e cruel, uma criatura que se supera em suas próprias fraquezas – quer nos ferimentos à bala ou numa fratura exposta. Ele é forte, por enquanto. Lembremos que é uma história de quase 30 anos. Muita moeda vai ser lançada.

Há esperança?

E quem sobrevive incólume fisicamente, não será também a exceção? Revivendo nas memórias os bons tempos de seu avô e de seu pai, o Xerife melancolicamente abre mão de valores, de significado e da sua própria determinação funcional. Ele não levou bala, não precisou dar tiros, enfim sobreviveu. Graças à negação de seu lugar e de sua vez.

Comments:
A poesia é "Velejando para Bizâncio" e está assim traduzido seu verso, hoje famoso: "Não é lugar para Velhos".
 
Bela reflexão.
 
Eu esperei até ver o filme pra comentar no teu texto. O que achei de mais interessante pra comentar é a observação final sobre o xerife. Lembro do comentário dele no começo, que houve tempo que eles não precisam nem carregar armas. No fim, porém, ele tem de ouvir do amigo misterioso que algo está vindo e ele não pode impedir. O que é interessante é o fato do filme apresentar a visão otimista e pessimista ao mesmo tempo. A representação da morte é acidentada e também se torna frágil graças ao próprio "acaso"; a representação da "sobrevivência" termina apenas sobrevivendo e o tempo todo se mostrou apenas como alguém que assiste não luta tanto assim pra que as coisas mudem, pois começa a entender que não há espaço para velhos homens.
 
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