14.11.07

 

Amos Oz


Amos Oz é escritor israelense e um ativista pela paz. Recentemente ganhou o prêmio Príncipe das Astúrias. A seguir coloquei a transcrição adaptada de seu discurso, traduzida por mim. Esse mesmo texto utilizei no seio de minha fala no Cristianismo Criativo.




O mundo da literatura pode encorajar
a compreensão entre inimigos amargos


Se você comprar uma passagem e viajar para outro país, é provável que você veja monumentos, palácios e praças, museus e belezas naturais e lugares históricos. Se você tiver sorte, você poderá ter a oportunidade de conversar com algumas pessoas nativas. Daí ao voltar para casa, você vai levar um monte de fotografias e cartões postais.

Mas se você ler um livro, você ganha uma passagem para o mais íntimo dos cantos de outro país e de outra gente. Ler um conto estrangeiro é um convite a visitar as casas de outras pessoas e os lugares íntimos de um outro país.

Se você é um simples turista, você poderá estar numa rua e ao olhar para uma casa antiga, na parte antiga de uma cidade, poderá ver uma mulher olhando pela janela. Em seguida você continua andando.

Mas se você é um leitor, você poderá ver a mulher olhando pela janela, mas você estará lá com ela, dentro do seu quarto e dentro da sua cabeça.

Ao ler um conto estrangeiro, no fundo você é convidado a adentrar as salas de outras pessoas, o quarto do bebê, a biblioteca, o quarto do casal. Você é convidado a adentrar suas mágoas secretas, suas alegrias familiares, seus sonhos.

É por isso que creio que a literatura é uma ponte entre os povos. Eu creio que a curiosidade pode ser uma qualidade moral. Eu creio que imaginar o outro pode ser um antídoto para o fanatismo. Imaginar o outro, fará de você não só um melhor empregado ou um melhor amante, mas acima de tudo uma melhor pessoa.

Parte da tragédia entre judeus e árabes é a incapacidade de tantos de nós, judeus e árabes a imaginar um ao outro. Realmente imaginar um ao outro: os amores, os medos terríveis, a raiva, a paixão. Há muita hostilidade entre nós, muita pouca curiosidade.

Judeus e árabes tem algo essencial em comum: ambos têm sido tratados brutal e coercitivamente pela mão violenta da Europa no passado. Os árabes através do imperialismo, colonialismo, exploração e humilhações. Os judeus através de discriminação, perseguição, expulsão e ultimamente assassinato em massa numa escala sem precedente.

Um pensaria que duas vitimas, e especialmente duas vitimas de um mesmo opressor desenvolveria entre eles um senso de solidariedade. Na verdade, não é assim que funciona, nem nos contos nem na vida.

Alguns dos piores conflitos são na verdade entre vitimas de um mesmo opressor – duas crianças de um pai violento não necessariamente se gostam. É comum verem no outro a imagem do pai abusivo.

E é exatamente o caso entre judeus e árabes no Oriente Médio. Enquanto os árabes consideram os Israelenses como Cruzados do últimos tempos, uma extensão do Europa branca e colonizadora; muitos Israelenses, de seu lado, consideram os árabes como a nova encarnação de opressores do passado, criadores de carrascos e Nazistas.

Essa situação cobra da Europa em particular uma responsabilidade para a solução do conflito israelense-árabe: ao invés de apontar o dedo para qualquer dos lados, os europeus deveriam estender empatia, compreensão e ajuda para os dois lados. Você não precisa escolher entre ser pró-Israel e ser pró-Palestina. Você tem que ser pró-paz.

A mulher na janela poderá ser uma mulher palestina em Nablus. Ela poderá ser uma mulher israelense judia em Tel Aviv. Se você quer ajudar a fazer a paz entre essas duas mulheres nessas duas janelas, é melhor você começar a ler sobre elas.

Leia contos, meus amigos. Eles vão lhe dizer muito.

É também oportuno para que cada uma dessas mulheres leia sobre a outra. Aprender afinal o que torna a outra mulher na janela temerosa, raivosa ou esperançosa.

Não estou sugerindo que ler contos vai mudar o mundo. Eu sim sugiro, e assim creio, que ler contos é uma das melhores formas possíveis para se entender que todas as mulheres, em todas as janelas, ao final do dia estão urgentemente necessitadas de paz.

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